Hoje me empresto de: Manoel de Barros


meu sentido sinestésico me instrui a acreditar  em certos tipos de sensibilidade, esse jeito de ver no ermo, com pretexto de natureza líquida, a interação mais profunda, mais essencial, e esse jeito de pintar as cenas de forma que experimentamos no íntimo as desfragmentações contínuas e as novas estruturas atemporais constuídas por segundo.. é pra mim extasiante.

XV
Viventes de ermo o que são
Quando começamos a cavar um buraco no leito seco
Do rio, os cascudos como que minavam das areias – e
Eram escuros. Suponho que andavam por lá hibernados,.
Agora se escondem por baixo das cascas podres.
Por baixo das cascas podres, dizem, esses cascudos metem.
Tais informações foram sempre dadas por devaneios, por
Indícios, por força de eflúvios

A partir da fusão com a natureza esses bixos se
Tornaram eróticos. Se encostavam no corpo da natureza
Para exercê-la. E se tornavam apêndices dela.
Ou seres adoecidos de natureza. Assim, pedras sonhavam
Eles para musgo. Sapos familiarizavam eles com o chão.
Nenhuma coisa ficava sem órgãos ou locas.
Mudaram a brancura das chuvas e a extensão dos escuros

Tal como peixes, lhes foi dada uma fisioloigia
Especial – para que vivam nas águas, a esses viventes
De ermo lhes deram vozes batráquias, que repercutem
Como algodão

As palavras invadem esse ermo como ervas
As coisas passam a ter desígnios. Não há o que lhes ande
por documentos. Enxergam borboletas apertando rios.
Escutam o luar comendo árvores. Trazem no centro da
Boca pequenas canaletas por onde lhes escorrem o lanho
E o lodo. O chão dá encosto para as suas latas, seus
Trevos, seus apetrechos.  Arrastam no crepúsculo andrajos
E moscas. Criam peixes nos bolsos. Há cogumelos
Paridos em seus ressaios. E vozes de rios e rãs em suas
Bocas. Águas manuseiam seus azuis. E, viver roça no
Corpo deles

- e palavras têm vida?
- palavras para eles têm carne aflição pentelhos – e
A cor do êxtase

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